16.5.07

Quem conta um conto...

Um conto. Três autores. Um deles inicia a história e os outros dois propõem, cada um, livremente, um final para o dito conto. Os estilos misturam-se mas mantêm a identidade. Os desenlaces assumem a natureza que cada um dos autores lhes quis dar, sem preconceitos, orientações ou sequer sugestões. Um exercício interessante, quanto mais não seja para quem o pratica. Aqui se publica o início da história. Não deixem de ler os finais, diferentes mas igualmente brilhantes, propostos por Vicent Russel (www.despojosintelectuais.blogspot.com) e Diplomata (www.hcpa.blogspot.com).

O Rio

O rio transbordara e corria barrento, tumultuoso, instigado pelas chuvas outonais que caíam há alguns dias. A velha ponte de pedra do lugar de Travassos fora completamente coberta por aquela fúria líquida que arrastava na corrente tudo o que se lhe opusesse.
Por volta das cinco da tarde, o “Ti” David, como era conhecido na aldeia, voltava da lavoura no terreno dos Ferreiras. O céu, por momentos, dera tréguas à terra encharcada, mas o rio, indiferente à piedade divina, persistia na sua corrida infernal.
O Joaquim ainda avisara:
- “Ti” David, durma cá hoje que a ponte está má de se atravessar. Arranja-se aí uma cama… – convidou, solicitamente.
- Ó patrãozinho, não é preciso. Estas pernas nunca me deixaram ficar mal – retorquiu o velho, demonstrando a gratidão que o seu orgulho permitiu.
Era o que faltava. Sabia todas as pedras daquele velho caminho que os pés aprenderam a conhecer desde os primeiros passos. Não era agora aquele ribeiro acanhado - que às primeiras chuvas se exibe arrogantemente - que o ia impedir de repousar os seus sessenta anos na aconchegante solidão da sua casa. Ainda por cima, era véspera do dia de Todos os Santos.
Abeirou-se da ponte submersa que resistia, empedernida, à voracidade das águas. Realmente, nunca vira a corrente tão forte. Olhou, brevemente, para trás a reconsiderar o convite. Não. Era dar parte fraca. Ajeitou o chapéu, arregaçou as calças e, pelo sim pelo não, pegou num tronco comprido que o rio rejeitara, para ajudar ao equilíbrio.
- Vamos lá! – murmurou entredentes, num incentivo corajoso aos seus músculos cansados.

1 Comentários:

Às 18 de maio de 2007 às 10:34 , Blogger filipelamas disse...

Belíssima ideia! Temos escritores!

 

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