24.7.08

Poema de Verão














Ninguém morre de amor no Verão.
Ninguém se envenena por um flirt.
Nem é próprio de um respeitável defunto
vestir calções e t-shirt.

Em Julho
o sol dissolve o orgulho.
Em Agosto
rei morto rei posto
e em Setembro já falta pouco
para Outubro e Novembro.

E depois há o mar,
o inevitável mar,
esse mar verde de esperança
que balança os olhos e os barcos
no horizonte.

É certo que os teus braços são uma ponte
para o infinito...
A tua pele é de sal, caravelas, maresia...
É claro que nos teus lábios há naufrágios, conquistas, poesia...
Tudo isto é bonito e fica bem,
em papel queimado, recitado
ou até em mensagem SMS.

Mas nem tudo é o que parece.

Não me peças tragédias nem dramas,
grandes clássicos da literatura
universal.
É Verão e o nosso corpo tem escamas.
Vamos só passear no areal.

14.7.08

Poema-lixo

Quero livrar-me deste poema.
Exibi-lo, liricamente,
qual régio ceptro ou diadema,
em um oblíquo funeral.

Quero atirá-lo janela fora,
como lixo na mata seca,
poluindo, incendiando
a minha alma imperial,
enquanto dedilho
com os dedos duros
a minha harpa desafinada.

Quero livrar-me deste poema
e mais nada.

5.7.08

Não acordem o menino

Não acordem o menino
que ele não quer ser acordado.
Se ele acorda estremunhado,
com os braços retesados,
os olhos surdindo do rosto,
fica logo mal disposto.

Coitadinho do menino.
Deixem-no dormir descansado.

Falem baixo, pisem leve.
Não se ouça no telhado
mais que o silêncio branco da neve.

Parem os ponteiros do relógio,
suspendam o tempo, se possível,
que o menino a estas horas
fica muito irascível.
E não há necessidade
de o ver ficar irritado.

Travem as guerras nas ruas
aqueles que não têm cama.

Vejam como é bonito o menino
dormindo o seu sono profundo,
lá longe da luz violenta
com que nos trazem ao mundo.

Aconcheguem o menino,
para que não se esfrie na noite.
E mesmo que o sol já vá alto,
fiquemos só a vê-lo dormir,
a partilhar o nosso ar
num suspiro longo e sossegado.

Coitadinho do menino.
Deixem-no sonhar
acordado.