25.4.07

Vodka

Vou para casa, amigo.
Já é tarde.
Foi bom crescer contigo,
dizer palavras tristes e pesadas,
ver como, cobarde,
o tempo arde
nas nossas vodkas revoltadas.

A chuva molha os magros ombros
da cidade que se ilumina aos poucos.
Só, o velho que alimenta os pombos
inveja os que vão para suas casas
correndo, rápidos e loucos,
como se, também eles, como os pombos,
tivessem asas.

A noite vai ser cruel e gelada,
tal como as noites lentas de quem chora.
Naquela esquina, entre o fumo de carro e castanha assada,
há um jornal esquecido pelo ardina,
há um filho querido que vai embora,
há um amor infinito que termina.

A mulher que eu amo, frágil, insegura,
talvez também se escape por estas avenidas...
Quem sabe até se não me procura
em cada rua, em cada olhar que passa indiferente...
O álcool é bom, acalma as feridas,
serena esta angústia de ser gente.

Mas a vodka não me leva desta cidade,
apenas esconde a mente do perigo
e distrai o olhar da nua realidade,
enquanto o peito, em chama, arde.
Por isso, até amanhã, amigo.
Vou para casa.
Já é tarde.

20.4.07

Tecto Falso

O meu tecto é mais recto
do que o tecto do meu projecto.
Porém é mais baixo.

Calca-me esta cal branca
de uma pureza que espanca
a minha solidão.
Ou será preguiça?

Tranquei o meu olhar discreto
e contei os palmos do tecto
deitado na minha cama.
Ninguém me fala,
Ninguém me ama.
Mas talvez se lhes abrisse a porta...
Que importa?

É esta a minha morte escolhida,
bela, serena, fugaz.
É esta a minha mágoa mesquinha.
Eu trago-a sempre acesa no peito.

Quando quero, acordo em ângulo recto
e o teu rosto evapora-se no tecto
desfeito.

19.4.07

Prelúdio

Porque sim. Para deixar desenhada uma desafinada nota na partitura do tempo; para que a ouçam com piedade.