Vodka
Vou para casa, amigo.
Já é tarde.
Foi bom crescer contigo,
dizer palavras tristes e pesadas,
ver como, cobarde,
o tempo arde
nas nossas vodkas revoltadas.
A chuva molha os magros ombros
da cidade que se ilumina aos poucos.
Só, o velho que alimenta os pombos
inveja os que vão para suas casas
correndo, rápidos e loucos,
como se, também eles, como os pombos,
tivessem asas.
A noite vai ser cruel e gelada,
tal como as noites lentas de quem chora.
Naquela esquina, entre o fumo de carro e castanha assada,
há um jornal esquecido pelo ardina,
há um filho querido que vai embora,
há um amor infinito que termina.
A mulher que eu amo, frágil, insegura,
talvez também se escape por estas avenidas...
Quem sabe até se não me procura
em cada rua, em cada olhar que passa indiferente...
O álcool é bom, acalma as feridas,
serena esta angústia de ser gente.
Mas a vodka não me leva desta cidade,
apenas esconde a mente do perigo
e distrai o olhar da nua realidade,
enquanto o peito, em chama, arde.
Por isso, até amanhã, amigo.
Vou para casa.
Já é tarde.