25.12.07

Lamentação de Natal

Amanhã não é mais Natal.
Uma vulgar luz baça penderá em nossos olhos.
As mesmas mãos frias voltarão aos nossos bolsos.
Alguém virá recolher, com zelo profissional, os coloridos enfeites da cidade.
Sob o velho sino plangente enterraremos os nossos mortos.
Uma obstinada fome negra secará as mesmas bocas
e nossos pródigos lábios ciciarão novamente repisadas palavras ocas.

Amanhã não é mais Natal.
Na cinzenta avenida central uns aflitos gemidos de ambulância
substituirão, sem esplendor, o tom celestial de um coro da nossa infância.
Nas montras e nas vitrines, despidos manequins manetas
exibirão, agoniados, suas feridas obsoletas.
E nas nossas mãos chagadas de eternos Cristos penitentes,
carregaremos nossas cruzes em vez de sacos de presentes.

Amanhã não é mais Natal.
As páginas do jornal sujarão os nossos dedos com a sinistra notícia.
Nas gordas letras ler-se-á: "Criança", "Hospital" e "Sevícia".
Ninguém dirá em directo as palavras "Amor", "Esperança", "Alegria".
Um pálido Sol previsível anunciará mais um dia.
Ainda que um homem queira, que uma criança o exija ou que uma mulher o implore,
amanhã não é mais Natal.
O menino nas palhas esquecido não mais terá quem o adore.

17.12.07

Sentido Proibido










Há no sentido proibido
um sentido proibido
que é obrigatório
descobrir.
Um horizonte escondido
atrás do olho de vidro
do prazer
de transgredir.

No sentido proibido
há um sentido obrigatório
que é obrigatório
desdizer.
E no fruto apodrecido
do desejo perfunctório
uma semente
a nascer.

No sentido consentido,
há sempre um outro sentido
que é sentido
no perdido,
como uma larva inquieta,
uma sílaba de poeta,
germinando no ouvido
suas asas de borboleta.

10.12.07

Média Luz

Sozinho no vão de escada de um sorriso
a roer as unhas
com os dentes amarelos do passado,
a juntar palavras fáceis
na busca inútil da poesia,
a aconchegar-me bem
na sombra densa e penitente
do silêncio áspero que cresce dentro de mim.
Vejo-me subir os degraus,
primeiro a medo, hesitante,
mas ganhando, a pouco e pouco, nos passos
a confiança de uma criança que já aprendeu a mentir.

Olho para cima,
a luz fere-me os olhos.
Olho para baixo,
tenta-me a sombra, a vertigem.
Estendo as duas mãos,
paralelas cumprindo funções distintas
que conhecem de olhos fechados,
mesmo na surpresa do sono.

A mentira pode tornar-se tão banal
como a verdade.
A sombra cada vez mais aconchegante
e o sorriso conveniente, pontual
como as luzes da cidade.
É difícil escrever à média luz.

4.12.07

Exposição

A pele ao sol
A língua ao sal
O fado ao sul

As mãos à obra
Os pés à estrada
As pás à terra
O peito às balas
do amor e da guerra

O Mundo às costas
A cara à luta
Os dentes à fúria

A palavra ao erro
O ferro ao fogo
A voz ao vento
O corpo aos vermes
O nome ao tempo