25.10.07

Sexo XXI

Morreu Romeu.
Julieta está diferente.
Mama na chupeta,
come chocolate,
anda de bicicleta.
- É tão difícil amar-te
- dizia Romeu.
E Julieta sorria,
tonta da poesia
de um orgasmo
que não era o seu.
Julieta é uma menina,
catorze anos mal feitos,
e já lhe cobiçam os peitos,
já lhe cheiram a vagina.

Ao ver o rosto esverdeado
do amante envenenado,
quatro lágrimas caíram,
mas só duas bastariam
para expurgar toda a dor
e esborratar a pintura.
Já ninguém morre de amor.
No dia do funeral
conheceu o Juvenal
que habitava num T3
na primeira linha de mar.
O prazer que se escondia
quando outrora sorria,
descobriu-o Julieta
nos estofos de pele fria
de um largo banco de trás.

Agora Julieta é feliz.
Sonha em ser top-model,
em ir a Paris.
Tem um casaco de pele,
usa unhas postiças
e põe pó no nariz.
Romeu morreu.
Julieta está diferente.
Já ninguém morre de amor
como soía antigamente.

14.10.07

Luz

No dia em que eu nasci
minha mãe não estava lá.
Era Outono e chovia.
Toda a gente sabe que o Outono e a chuva
fazem cair nas almas uma folha de tristeza
que se pega, molhada, ao coração.
Eu não era excepção. Estava triste.
Lá fora, os carros descuidados
molhavam quem passava no passeio;
um cão com olhar taciturno
abrigava-se debaixo de um telheiro;
o cauteleiro adiava a sorte no fundo da sacola,
enterrava o chapéu na cabeça,
e seguia para casa, onde não chovia menos;
um estudante de capa corria para o autocarro
que arrancava, indiferente e apressado,
deixando um adeus de fumo e cheiro a travões
que se misturava com a chuva;
as meninas do liceu, de meias encharcadas,
corriam aos gritinhos para o aconchego maternal
de um centro comercial;
os amantes despediam-se em segredo
com um beijo molhado debaixo do guarda-chuva;
a badalada de um sino longínquo
anunciava as seis horas da tarde.

Foi então que eu senti um princípio de luz
a crescer-me nos braços,
a iluminar a cidade,
a subir as paredes cinzentas do quarto,
a erguer-me a fronte
e a tornar-se mais forte
contra a força da noite,
e a abrir-me os olhos
e o pensamento,
e a fazer-me ouvir as palavras no vento
que me diziam que era tempo,
era tempo de nascer.
Da tristeza fiz paixão,
da submissão rebeldia,
e nasci. Cheio de ambição
de viver e de chorar.
Era Outono e chovia.

3.10.07

Génesis

Ilumino-me.
Encelo-me
e aguo-me.
Oceanizo-me,
enterro-me,
enrio-me
e planto-me.
Ensolo-me,
enluo-me
e estrelo-me
no firmamento.
Empeixo-me
e empássaro-me.
Reptilizo-me
e amamífero-me.
Humanizo-me.

Endeuso-me,
seis dias por semana,
e ao sétimo dia
descanso,
endomingo-me,
engaiolo-me
em casa.
Imolo-me
no fogo fátuo
e afogo-me
na maré vaza.