28.8.07

Condição

Devolve-me o rosto que dormia sereno
e leva estas mãos frias e cerradas.
O corpo é mais leve se é pequeno.
As mãos abertas para sonhar
seguram a beleza de seus nadas
e o silêncio só é quebrado pelo ar.

Havia vozes sussurrantes, perfumadas,
ecoando nos peitos alegres e calmos.
Eram grandes e certas as escadas,
subi-las não era ambição.
O mundo abria-se em três palmos
e os sorrisos não tinham condição.

Mas é o útero traidor que nos beija
e nos mostra as árvores sombrias.
Também meu pai quer que assim seja,
que eu respire por minha própria boca
e entregue, em vão, todos os dias,
um "obrigado" pela minha casa oca.

15.8.07

Metro de Superficialidade


A vida é uma viagem.
Se viajar de pé segure-se.

Percepção:
Atenção às portas.
Entre e saia com segurança.

Um grito
num jantar de gala:
Antes de entrar deixe sair.

Poder:
Não utilize estes assentos
quando o veículo estiver cheio.

Ócio:
Reservado a pessoas com mobilidade reduzida.

Deus:
Faculte a passagem.
Encoste-se à direita, por favor.

Estimados clientes,
esta viagem termina na estação ao fundo do túnel,
pelo que devem sair do veículo.
Obrigado por viajar connosco.

4.8.07

Da morte de amor

Está decidido, vou morrer de amor.
Que importa o calor, a sede ou a fome?
Quem sofre como eu não bebe nem come.
Falta um Domingo de chuva para a hora derradeira
e um poema do livro na mesinha de cabeceira.
Falta pouco mais que um pranto bem lavado
e uma ou duas noites de sonho acordado.
Desta vez vou morrer mesmo.
Vai ser uma coisa com pés e cabeça,
e não daquelas crises meio a esmo
em que tive de morrer à pressa.
Desta é que é, ou eu não me chame José.

Bem que me avisaram, mas não adiantou nada.
O que é que eu ia fazer? Assassinar uma fada?
Obrigar uma deusa a descer do pedestal?
Destronar a rainha do meu Carnaval?
Um homem é de osso e carne, não de ferro.
Se ninguém me ajudar, eu próprio me enterro.
Eu até era um racional que nunca perdia os sentidos,
mas quando lhe olhava nos olhos, os meus ficavam perdidos,
quando lhe cheirava a pele branca e macia, sentia-me um vulcão,
(era o sangue que me explodia)
quando a sua voz doce suplicava o meu perdão,
a minha razão aquiescia e eu não sabia dizer "não".

"Caiu a nódoa no melhor pano",
já diz o povinho.
Agora sofro um terror desumano,
sou um homem triste e sozinho,
mortinho por morrer de amor,
não me faltasse um Domingo de chuva
neste Verão abrasador.