26.5.08

"Queixa de Maio"

Mais uma vez não resisti à pertinência do grande Carlos Drummond de Andrade, não obstante o mês de Maio no Brasil corresponder, mais ou menos, a meio do Outono. Parece que o Outono dos nossos irmãos não é muito diferente da nossa Primavera.
Deixo-vos este desiludido "Queixa de Maio".

"O claro mês de porcelana,
de que o poeta se fez lacaio,
lá vai indo, com chuva e lama...
Isso é Maio?

Quando aportou, quanta promessa
trazia sob o seu balaio!
Um florir de céu... Nada resta.
Isso é Maio?

Frio, sim, sabia ser frio
discreto, como de soslaio.
Não esse gelo cinza e triste.
Isso é Maio?

Seios e braços menos vistos
a um sol em tépido desmaio.
Hoje os corpos nem mais existem.
Isso é Maio?

Certas manhãs, vazando em luz,
embriagavam-nos com seu raio.
O banho de ouro já não se usa.
Isso é Maio?

Na praia tinha menos gente,
mas sorrindo a um ventinho gaio.
Vejo um mar cimério, e dolência.
Isso é Maio?

Prometeu Ingrid Bergman, hein?
Dá-nos pão velho... Papagaio!
Bonde caro pra quem não tem...
Isso é Maio?

Era poema. Vira entrevista
de mau-humor, sem pára-raio.
Só cultivamos vinhas da ira...
Isso é Maio?

Calou-se a música das árvores
na Praça Paris. Se entro ou saio,
o tedium pluviae cria lêmures.
Isso é Maio?

Ó namorados de galochas!
O tempo, em seu cavalo baio,
varre o azul e o amor, a galope...
Não é Maio!"

Carlos Drummond de Andrade

20.5.08

O silêncio das luzes

Um jogo de luzes
viver, morrer
A luz ao fundo, trémula no tecto
a noite do mundo, o sol do deserto
a média luz, o claro escuro
morrer na cruz ou saltar o muro

Um jogo de luzes
brancas, azuis, vermelhas
de espelhos em que te espelhas
e te elevas a infinito
e te reduzes a um grito só
Espelhos cobertos de pó
luzes incadescentes
de desejos e estrelas cadentes

Um jogo de luzes
reflexos e cores
de rostos brancos de espanto
de ventres roxos de dores
de imagens de entretanto
de um inútil ramo de flores

6.5.08

Noite

Esconde-te, Lua
porque a noite é mais bela
e tem perfume de rosa branca

Suspendam os vossos sonhos
É preciso silêncio
para se mudar duas vidas

Beijem vossos filhos, antes de dormir
porque hoje o fogo é mais fogo
e precisa de ser partilhado

Aquela minha árvore tão verde
arde, sem dor, em teu peito,
de contentamento,
e a tua mão de luz afasta o tempo
cheio de nomes

O mundo acabou
e nós sorrimos para o infinito
num grão de vento

Olhos negros de plenitude
escolheram nascer, novos, limpos,
e as estrelas altíssimas
renderam-se em teus lábios de flores

A terra quente dormiu entre nós
e sussurrou-nos seus segredos
ao ouvido

Prende-me em ti
Estou pronto para a liberdade