"Queixa de Maio"
Mais uma vez não resisti à pertinência do grande Carlos Drummond de Andrade, não obstante o mês de Maio no Brasil corresponder, mais ou menos, a meio do Outono. Parece que o Outono dos nossos irmãos não é muito diferente da nossa Primavera.
Deixo-vos este desiludido "Queixa de Maio".
"O claro mês de porcelana,
de que o poeta se fez lacaio,
lá vai indo, com chuva e lama...
Isso é Maio?
Quando aportou, quanta promessa
trazia sob o seu balaio!
Um florir de céu... Nada resta.
Isso é Maio?
Frio, sim, sabia ser frio
discreto, como de soslaio.
Não esse gelo cinza e triste.
Isso é Maio?
Seios e braços menos vistos
a um sol em tépido desmaio.
Hoje os corpos nem mais existem.
Isso é Maio?
Certas manhãs, vazando em luz,
embriagavam-nos com seu raio.
O banho de ouro já não se usa.
Isso é Maio?
Na praia tinha menos gente,
mas sorrindo a um ventinho gaio.
Vejo um mar cimério, e dolência.
Isso é Maio?
Prometeu Ingrid Bergman, hein?
Dá-nos pão velho... Papagaio!
Bonde caro pra quem não tem...
Isso é Maio?
Era poema. Vira entrevista
de mau-humor, sem pára-raio.
Só cultivamos vinhas da ira...
Isso é Maio?
Calou-se a música das árvores
na Praça Paris. Se entro ou saio,
o tedium pluviae cria lêmures.
Isso é Maio?
Ó namorados de galochas!
O tempo, em seu cavalo baio,
varre o azul e o amor, a galope...
Não é Maio!"
Carlos Drummond de Andrade