Animal de Estimação
Não passeio pela rua
a minha dócil solidão,
um bicho quase pessoa
que me cativa com um olhar terno
enquanto invento o jantar.
Não dou de beber à dor
um prato quente
deleite,
nem lhe afago o pelo
aveludado, lenitivo,
quando se insinua, languidamente,
nas noites de Inverno,
junto à lareira.
Nunca exibi a minha mágoa
para além da luz desta água
que quatro paredes de vidro
impedem de jorrar
e de me deixar desoxigenado,
estiolando em convulsão.
Nem fui eu quem cortou as asas
e prendeu entre grades de ferro
e memórias de telhados de casas
o pássaro possível
de um coração racional.
Não passeio pela rua
a minha dócil solidão
que nunca mordeu com vontade
as canelas deste não.
O homem é um animal
de estimação.